Saturday 29 April 2017

O não ser





Quem és tu, este que habito, 
gostava ele de saber.
Evolução, conflito, 
Barro sem molde para o conter.

Água a escorrer entre os dedos,
Gelo, gota a gota, a derreter, 
Céu aberto sem segredos, 
A sabedoria no esquecer.

Espaço que se acolhe, 
Cão a ladrar ao próprio reflexo,
A vida que se escolhe, 
É orquestrada muito antes do berço.

Sigo as calhas do devir
Sem nunca estremecer, 
Porque o sentido está no ir, 
No sagrado não ser.

Saturday 22 April 2017

Quem Cria




Nas profundezas do céu,
Dentro do infinito escuro
Olho e vejo que afinal sou eu,
E aceno ao meu reflexo puro.

Caco e estilhaço, 
Da eterna bola de cristal
Que explodiu e se fez espaço.
 Do nada a banquete magistral.

Fujo à confusão,
A este querer fazer absurdo.
É dentro da solidão
Que sou dono de tudo.

Quem achas que tem as mãos nos ferrolhos,
Quem cria, quem está a decidir, 
Se é no derradeiro fechar dos olhos
Que tudo deixa de existir?


Tuesday 18 April 2017

Sinto tudo





Eu sinto tudo em meu redor
Cada voz, cada tom, cada pormenor, 
Fecho os olhos para não ter que ver
As palavras que os teus gestos mudos me querem dizer.

Tudo me penetra a pele,
Um mero suspiro por vezes sabe a fel,
Um sorriso a orgasmo disfarçado.
Viajo ao infinito num olhar mais demorado.

Uso o silêncio como um casaco de capa grossa,
Com medo, nem sei, se da minha fraqueza, se da minha força.
Vivo melhor, dentro da minha mente alada,
Não gosto daquele tipo de vida já empacotada.

No nascer, nesse estranho acto, 
A queda dos céus, o golpe fundo, o rapto.
A dor à qual fui condenado,
Mostra-me, afinal, que nunca estive separado.

Friday 14 April 2017

Às vezes...

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Às vezes a morte
Tem amargo sabor,
Mas sem este passaporte
É impossível provar de amor.

Às vezes a noite
Rouba-nos a esperança,
Mas por mais nuvens que se ergam
O Sol vem e vai e nunca se cansa.

Às vezes perco-me no mundo,
Sacudido pelas correntes,
Arrastado para o fundo
Calabouço de outras mentes.

Às vezes subo aos céus
E contorno as galáxias,
Vivo dentro de sonhos meus,
E masturbo-me com as minhas audácias.

E naquele momento em que decido
Ir além do existir,
É um passo vago, falecido,
O princípio de uma casa a ruir.

Sunday 27 November 2016

Já vivi muitas vidas

Já vivi muitas vidas,
Quis ver por dentro da pele
As legiões escondidas,
E caçá-las com pena e papel.

As cinzas das máscaras ardidas
Nas caldeiras monstras do tempo,
Vãs histórias consumidas,
Efémeras filhas do momento.

Quanto mais fundo é o buraco,
Mais fundo quero ir
Beber desse cósmico contrato,
Até à eternidade e vir.

Nasço sempre em tempo devido,
Tenho estado sempre aqui,
Não me lembro de não ter vivido,
Do não ser nunca me apercebi.

Este fruto que descasco
E que me ilude a cada passo,
É o meu amor, o meu carrasco,
A infinita comédia que é o espaço.

Tuesday 22 November 2016

Nada deve interferir

Nada deve interferir,
Nada deve cortar
A amarra do sentir
Ligada ao pensar,
Porque é do unir
Que nasce o criar,
O som busca o ouvir,
O silêncio busca o cantar.
Entre o conter e o exprimir,
Entre o colher e o semear,
Um universo a sorrir,
A doce alvorada de um eterno acordar.

Adoro a noite

Adoro a noite
E a sua escuridão silenciosa,
A magia dos astros
Que decora os celestes pastos.
Adoro dias chuvosos,
A música do gotejar,
Hipnótico pingar.
Ah, e quando o sol é engolido,
Pelas nuvens mordido,
Aí sim, regozijo!
Gosto de ver o vento
A correr enraivecido,
E o meu coração corre lado a lado
Irmão na fúria vertiginosa,
Cúmplice dos elementos.
À medida que escrevo
A calma, lentamente, repõe-se
Como se a própria borrasca
Tivesse sido capturada
Por esta carcereira página carrasca,
E more agora dentro das letras.